domingo, 14 de dezembro de 2008

Mais não devia.

. domingo, 14 de dezembro de 2008


"Eu sei que a gente se acostuma.


Mas não devia.

Agente se acostuma a morar em apartamento de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz.E porque à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão. [...]

Agente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente só molha os pés e sua no resto do corpo. [...]
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele.
Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se da faca e da baioneta, para poupar o peito.A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, de tanto acostumar, se perde de si mesma."


Marina Colasanti

P.S.: ' Parabéens Bete!

0 comentários:

Postar um comentário